Já somos o quarto país do mundo em população carcerária. Nesse universo, as mulheres crescem, mas são esquecidas. No presídio da capital, elas mostraram quem são — pobres, negras, pouco escolarizadas, com trabalhos periféricos. Entram nos presídios por infração à Lei Antidrogas, ou por "maconha com pamonha", contou-nos uma delas. Mas há outra surpresa: uma em cada quatro das mulheres sentenciadas em regime fechado passou por medidas socioeducativas de internação na adolescência.
Itinerário carcerário começa cedo
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios promove, nesta terça-feira, 17 de março, o seminário "Os Direitos Humanos das Mulheres em Situação de Prisão". Para quem está em Brasília e pesquisa o tema ou tem interesse nele, o evento poderá lançar luz sobre o encarceramento feminino e os desafios para os direitos humanos.
Sobre esse tema, a Anis realizou a pesquisa Radiografia do crime feminino no Distrito Federal, cujo objetivo foi o de mapear o perfil das mulheres presas na Colmeia, o presídio feminino da capital do país. Fizemos um censo das mulheres sentenciadas em regime fechado, e coletamos dados como cor, renda, escolaridade e composição das famílias. A pesquisa revelou um itinerário carcerário: 1/4 das mulheres em regime fechado no presídio esteve internada para cumprimento de medida socioeducativa na adolescência.
O artigo intitulado "Mulheres e prisão no Distrito Federal: itinerário carcerário e precariedade da vida", que traz os dados da pesquisa, será publicado em breve na revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Foi elaborado pela Anis, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
×Não precisamos de mais penas, mas de políticas sociais
465% foi a taxa de crescimento do encarceramento feminino entre 2000 e 2012. Como era de se esperar, o aprisionamento em massa nada teve a ver com redução de índices de violência ou pacificação de conflitos. As capturadas pelo sistema punitivo têm o perfil já imaginado: são pobres, negras, pouco escolarizadas, trabalhadoras domésticas ou informais, e majoritariamente condenadas por crimes ligados à Lei Antidrogas. A pesquisa “Radiografia do crime feminino no Distrito Federal” revelou ainda outro dado de horror: 1 em cada 4 mulheres na única prisão feminina do Distrito Federal foi menina internada em reformatório na adolescência. As presas que passaram pelo enclausuramento antes dos 18 anos são as que exibem os piores marcadores: também viveram mais tempo na rua, usaram mais drogas e passaram por mais experiências de violência doméstica e prostituição. Ao olhar para elas, não vemos a precocidade do perigo, mas do abandono.
A redução da maioridade penal não resolveria esse drama de vidas vulneráveis, e provavelmente o intensificaria. É possível que o primeiro encontro de muitas dessas mulheres com qualquer instituição do poder público tenha sido justamente com a polícia e a justiça penal que as enclausurou ainda meninas — várias não têm documentos, mal viram a escola, têm a saúde fragilizada pelo descuido desde sempre. Foram presas não porque eram mais ameaçadoras à ordem do que outras, mas por serem mulheres vulnerabilizadas pela pobreza, pela violência e pelas drogas, empurradas à economia das ilegalidades para a sobrevivência. Para reverter esse cenário, não precisamos de maiores e mais duras penas, mas de políticas sociais que acolham meninas e mulheres abandonadas.
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Um comentário:
Muito boa essa abordagem, principalmente por estar fundamentada em resultado de pesquisa. Pena que a grande imprensa não dá
esse tipo de tratamento quando noticia fatos relacionados do cotidiano. É um desserviço, pois influenciados por ela - a mídia - muita gente aceita e defende penas mais severas como solução para tais problemas. O que encontro de pessoas "do bem" defendendo a redução da maioridade penal, por exemplo, é uma grandeza.
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